O juiz Ather Aguiar e o seu assessor foram afastados da Comarca de Divinópolis, Várias vítimas relatam que eram trancadas por Ather Aguiar em um corredor do fórum. Segundo a assistente W, essa prática seria uma das três penitências impostas pelo juiz: holodomor, gulag e dizimação. O primeiro termo faz referência aos milhões de mortos de fome na Ucrânia na década de 1930, enquanto o segundo faz referência aos campos de concentração na União Soviética.
“Holodomor é onde a gente fica, no corredor dos outros juízes, onde não tem saída e a gente fica lá enquanto ele quiser. O Gulag é quando ele manda a gente para o corredor público. Dizimação é mais grave (vítima faz sinal de corte no pescoço). Ele aplica as penalidades da forma que acha que tem que aplicar. Pode ser por um comentário que ele não gosta.”
Xingamentos e assédio
Assim como outras estagiárias e ex-estagiárias, a assistente W relata que foi alvo e presenciou vários comentários machistas que teriam sido feitos pelo juiz.
Após serem alvo de denúncias de sete servidoras, estagiárias e ex-estagiárias do Judiciário da cidade. Um dos relatos traz uma descrição impactante sobre o “batizado” feito pelo magistrado.
Em depoimento à Corregedoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a assistente terceirizada W (fictício) conta que, ao chegar na Comarca como estagiária, passou pelo “rito” criado pelo juiz.
“Ele troca o seu nome, coloca um nome que ele acha que você parece que chama, e menciona que a partir daquele momento sua alma vai ser vendida para um determinado demônio. Nisso a gente senta na cadeira, ele colocava gravata, uma fralda na cabeça e dava a gente bolachas de arroz como se fosse corpo de Cristo. Depois dava suco de uva como se fosse sangue de Cristo.”
Segundo a assistente, o estagiário mais velho auxiliava o juiz no “batizado”. Depois das bolachas e do suco de uva, a mulher teria sido obrigada a tomar óleo de copaíba. A mulher alega que foi obrigada a ingerir tanto óleo que não conseguiu trabalhar no dia seguinte.
“Ele começa a falar uma regras dele, que a partir daquele momento ele é o meu Deus e que eu devo fidelidade e obediência a ele, que não existe mais outra pessoa além dele, que eu não tenho que compactuar com nada de advogado ou outro juiz, que as pessoas falam mal dele, mas que ele é uma pessoa boa, e que eu devo fidelidade a ele, a frase que ele usa é ‘eu sou o teu Deus e você me servirá’.”
“Ele fala muito de questão de mulher. Fala que a gente não presta pra nada, que não deveríamos estar aqui, que deveríamos estar em casa, passando roupa ou lavando chão. Ele chega numa porta e fala ‘vocês são tudo umas cabeça de bagre, se juntar todas não dá uma cabeça pensante’.”
Uma outra assistente terceirizada, identificada como V, diz que o juiz havia mostrado para ela e várias outras servidoras uma foto do próprio ânus. Assim como outras mulheres, ela também denuncia as falas de teor sexual do magistrado.
“O Dr. Ather falou que teve um sonho erótico comigo, da gente ficar dependurado no teto transando. Ele contava pra gente de quando transava com as estagiárias em cima dos processos. Ele fazia os barulhos. […] Ele falava que batia porque aí a mulher se apaixona.”
A assistente relata que já ouviu o juiz falar com ela e outras funcionárias sobre detalhes do próprio órgão sexual. A reportagem decidiu não reproduzir este trecho do depoimento.
Outro lado
Em nota, a Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis) informou ter recebido com serenidade a notícia da decisão judicial quanto ao afastamento do Magistrado. A associação afirmou que possui departamento jurídico próprio, o qual está à disposição do Magistrado para sua resposta à acusação. Por fim, a Amagis diz que não vai falar sobre as acusações, pois o processo está em segredo de justiça, mas se declarou confiante de que, no final, será proferida a melhor decisão sobre o caso.
O juiz também não se pronunciou sobre as acusações e sobre o afastamento.
Em nota enviada o Tribunal de Justiça de Minas Gerais confirmou o afastamento do juiz Ather Aguiar e também a instauração de um processo administrativo disciplinar para investigar o assessor do magistrado, que também foi afastado. O órgão afirma que ambos terão total direito ao contraditório e a ampla defesa.
Leia a nota do TJMG na íntegra:
“Na noite da quinta-feira passada, dia 22 de junho de 2023, a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais recebeu expediente oficial da Direção do Foro da comarca de Divinópolis, com denúncias versando sobre possíveis desvios funcionais praticados por servidor comissionado e Juiz de Direito.
Na manhã do dia seguinte, sexta-feira, dia 23/06, Juízes e Juízas Auxiliares da Corregedoria promoveram a tomada dos depoimentos das denunciantes e de testemunhas, que confirmaram as denúncias formalizadas na Direção do Foro da comarca de Divinópolis.
Em face da gravidade dos fatos constantes dos depoimentos colhidos na Corregedoria-Geral de Justiça, imputados em desfavor de Juiz de Direito da comarca de Divinópolis e de seu assessor, no estrito exercício das funções disciplinares atribuídas ao Corregedor-Geral de Justiça e em consonância com a legislação e as normas que regem a matéria, foi encaminhada ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – na primeira sessão possível, realizada nesta quarta-feira, – a proposição de afastamento cautelar do magistrado investigado, na forma do disposto no artigo 15, §1º, da Resolução n. 135/2001, do Conselho Nacional de Justiça, até a decisão final do processo investigativo.
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em sessão virtual realizada no dia 28/06, à unanimidade, acolheu a proposta do Corregedor-Geral de Justiça, decretou o afastamento preventivo do magistrado investigado e abriu prazo para defesa prévia à proposição de instauração de processo administrativo disciplinar, nos moldes do artigo 14, da Resolução n. 135/2001, do Conselho Nacional de Justiça.
O processo, que é sigiloso, seguirá sob o rito do contraditório e da ampla defesa.
A Corregedoria-Geral de Justiça, no dia 28/06, também instaurou processo administrativo disciplinar em desfavor do assessor de juiz, determinando o seu afastamento preventivo do exercício das funções do cargo, pelo prazo de 60 (sessenta) dias, com fundamento nos artigos 296 e 297, da Lei Complementar estadual nº 59/2001.
Igualmente, o processo administrativo disciplinar é sigiloso e seguirá sob o rito do contraditório e da ampla defesa.
Fonte: Jornal Ponto